O porquê da legalidade do 13º salário e 1/3 de férias dos prefeitos, vereadores e secretários municipais e a necessidade de normatização pelo município

Por Lucas Ribeiro (*1)

1. A ATUAL “DEMONIZAÇÃO” DA POLÍTICA

Vivemos num período em que termos inerentes ao processo político, administrativo e eleitoral do país soam, indevidamente, na cabeça da população em geral, como atos propensos a corrupção em sentido amplo da palavra. “Doação Eleitoral”, “Dispensa ou Inexigibilidade de licitação”, “Subsídio”, “Emenda”, dentre outras nomenclaturas comezinhas à classe estudiosa da matéria são sintomas inexoráveis de grande desconfiança do cidadão/eleitor.

Diriam os mais experientes que “uma laranja podre estraga todo o cesto”, mas, não, não seremos levianos em olvidar que nesse cenário político brasileiro exista apenas uma laranja podre, já que temos total ciência da existência de incontáveis “pés de laranja” infestados de podridão.

Ocorre, porém, que assim como um laranjal pode ser bem extenso, este país de dimensão continental não poderá ser todo contaminado com tais exceções. Sim, exceções. É de se perceber que no Brasil temos mais de 5.571 municípios (na Bahia especificamente 471), regidos por uma Constituição e um conjunto de normas garantistas – em especial a Declaração Universal de Direitos Humanos – que possui como um dos princípios basilares a presunção de inocência de todo e qualquer cidadão, de modo que não nos parece razoável que todos os agentes políticos sejam presumidamente interpretados como “culpados”.

Esse pensamento, aliás, não negaremos, encontra fortes raízes nesse hodierno período em que se descobrem as mais inescrupulosas posturas daqueles que deveriam, acima de tudo, zelar pelo dinheiro público. Mas até que ponto essa “demonização” irrestrita da política é positiva para o processo democrático? Refletiremos.

A vulgarização da política como sinônimo inseparável de corrupção e malversação da coisa pública se enraizou em boa parte do nosso povo, abrindo um leque perigoso de consequências, tais como: 1) juízo de valor acerca de determinada pessoa, descartando o fato em si, gerando pré-julgamentos muitas vezes indevidos; 2) radicalismos/extremismos que geram revanchismos e ofensas entre grupos; 3) a escolha do “menos ruim”, ao invés do “mais preparado”; 4) afastamento e ojeriza de grande parte da população ao processo eleitoral (vide o aumento crescente das abstenções de voto) etc.

“Criminalizar” o processo político, os políticos e tudo aquilo que dele deriva, ao nosso sentir, só criará um abismo ainda maior entre a Constituição Federal, o processo democrático, os poderes do Estado e a população e isso, indubitavelmente, atingirá as gerações futuras, tornando o prejuízo ainda maior.

Queremos acreditar que a célebre frase de Victor Hugo que diz que “a esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero” não encontrará guarida no nosso ordenamento. Desesperar-se e, assim, açoitadamente decidirmos pelo radical e extremista não nos parece o melhor dos caminhos, haja vista que certamente é na Democracia que reside o ponto de convergência entre a grande maioria dos grupos políticos do país.

Ora, assim como há malfeitores na política, existem na advocacia, na magistratura, medicina, engenharia e até em volta deste respeitável leitor. É a realidade e dela jamais poderemos fugir. Mas é para estes que existem as leis e não fórmulas mágicas ou radicais. É para estes que existe a nossa soberana Constituição e nosso guardião, o Poder Judiciário, capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta linha de intelecção, com magistral sapiência, Vânia Aieta(*2) na sua obra “Criminalização da Política” enfatiza que “considerando a conjuntural atual e, pelo menos aprioristicamente, o compromisso democrático, o agir político para o domínio das circunstâncias adversas, não pode deixar de ter, como eixo civilizatório, a manutenção do estado de Direito e o respeito à Constituição sob pena de retroagirmos à bárbarie digna da tipologia dos estados de exceção”.

Fincadas essas premissas, passemos à análise do cerne do artigo, qual seja a possibilidade de recebimento de 13º Salário e 1/3 de férias pelos agentes políticos.

2. OS AGENTES POLÍTICOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O JULGAMENTO DO RE 650898/RS PELO STF

Para fins de conceituação, Hely Lopes Meirelles(*3) discorre que “agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais”.

No julgamento do Recurso Extraordinário 650898/RS, o Min. Marco Aurélio também colabora com a compreensão do conceito técnico dos agentes políticos asseverando que “os agentes políticos mantêm vínculo de natureza política com o Estado, pois o que os capacita ao exercício da função não é a habilitação profissional nem a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos eleitos pelo povo. São responsáveis pela formação da vontade superior do Estado.”

Dito isso, em resumo, compreende-se como agente político na seara municipal os Prefeitos, Vice-Prefeitos, Vereadores e Secretários e boa parte dos seus regramentos de remuneração estão previstos na Constituição Federal em seus artigos 29, V, VI e artigo 20, III, ‘a’ e ‘b’ da Lei de Responsabilidade Fiscal, LC 101/2000.

Versando sobre o âmago da discussão, vê-se que a possibilidade de concessão do 13º Salário e 1/3 de férias aos agentes políticos tem aparente desencontro na própria CF. Vejamos o que dispõe os parágrafos 3º e 4º do artigo 39 da CF:

  • § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
  • § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Ressalte-se que o ponto nevrálgico da discussão é a harmonização de ambos os parágrafos no que tange a percepção das verbas de 13º salário e 1/3 de férias ora previstos no artigo 7º, incisos VIII e XVII(*4), já que até o julgamento do RE 650898/RS alguns Tribunais de Contas faziam distinção entre servidores ocupantes de carpo público e os detentores de mandato eletivo, criando uma celeuma e insegurança jurídica nesse tema, fazendo com que municípios que já pagavam, parassem de pagar, ou os que não pagavam passassem a pagar, sem qualquer posição do Supremo sobre o assunto.

Toda a discussão inicial a respeito da “demonização” da política se faz compreensível a partir do momento em que as raivosas manifestações da população em geral, boa parte sem um estudo aprofundado sobre o assunto, opinam sobre a ilegalidade do pagamento do 13º e 1/3 de férias decorre de eventuais recebimento de outras vantagens (verbas de gabinete, auxílio paletó, auxílio combustível, carro oficial, etc) que edis, prefeitos e secretários tem, principalmente nas grandes cidades do país.

Entretanto, no caso concreto, não estamos diante de penduricalhos ou verbas de representação que estariam agregadas aos vencimentos dos agentes políticos. Estamos diante de um DIREITO de todo e qualquer cidadão brasileiro. Será mesmo, estimado (a) leitor (a), que a mesma vontade popular que escolheu aqueles representantes para trabalhar em prol da coletividade é a mesma que quer suprimir direitos que todo trabalhador tem? A nosso sentir, é de se refletir mais uma vez.

Excluir os Prefeitos, Vereadores e Secretários desse rol de “benefícios” seria tratar desigualmente aqueles que são iguais (no plano dos direitos dos trabalhadores). Seria, como excepcional e brilhantemente disse o Ministro Luís Roberto Barroso, relator condutor do voto no RE 650898:

os agentes políticos não devem ter uma situação melhor do que a de nenhum cidadão comum. Mas também não devem estar condenados a ter uma situação pior. E se todos os trabalhadores têm direito a um terço de férias e têm direito a décimo terceiro salário, eu não veria como razoável que isso fosse retirado desses servidores públicos.”

O Constituinte não excluiu os agentes políticos dos benefícios do parágrafo 3º, ao contrário, fez questão de consignar a expressão ainda mais abrangente, qual seja “servidores públicos ocupantes de cargo público”. Nessa mesma esteira, Ministro Luiz Fux em seu voto confirma:

o constituinte não limitou a aplicação dos direitos sociais referidos no aludido dispositivo aos “servidores públicos”, mas aos “servidores ocupantes de cargo público” permite aquilatar a intenção de alcançar um espectro maior de destinatários dos direitos fundamentais sociais”.

Poderia aqui o (a) nobre leitor (a) se indignar ao lembrar das inúmeras vantagens que muitos prefeitos, vereadores e secretários possuem relacionadas às verbas de gabinete, auxílio combustível, auxílio moradia etc. Bom, tais verbas, quando pagas, derivam – ou deveriam derivar – de lei e surgem como um adendo ao subsídio dos agentes políticos inegavelmente. Neste ponto, particularmente, comungo da ideia de que muitos desses auxílios são, na verdade, inconstitucionais, excetuados aqueles efetivamente necessários para o bom andamento do mandato, mas tal discussão deverá ser abordada com mais profundidade em outra oportunidade.

Todavia, tal situação é exceção num país de 5.571 municípios. A grande e devastadora realidade é a percepção de subsídios, sem quaisquer outros “privilégios” como outro qualquer trabalhador, ressalvados os agentes políticos que, além de optarem pela exposição constante e inerente a posição pública, não percebiam, até a decisão do STF sobre o assunto, direitos básicos dos trabalhadores, tais como sejam 13º salário e 1/3 de férias.

Percebe-se, nesse ponto, que o Supremo apenas RECONHECEU um direito já previsto na própria constituição, harmonizando a interpretação dos parágrafos 3º e 4º do artigo 39 supracitado e tal reconhecimento difere – e muito – de verbas ditas como “penduricalhos” nos subsídios dos agentes políticos.

Nesta seara, por se tratar de direito social, o Ministro Luiz Fux no seu voto vista do multicitado acórdão sustentou muito bem:

A natureza jurídica dos direitos sociais – terço de férias e o 13º salário – como direitos fundamentais reclama exegese conducente a conferir-lhes aplicabilidade, interpretação na máxima medida possível (arts. 5º §§ 1º e 2º, da CRFB)à sua efetivação.

3. DA NORMATIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO

Uma vez demonstrada a legalidade da percepção de tais benefícios, vemos, então, que é preciso uma organização municipal em prol da aplicabilidade de tais valores no orçamento, para que se organize, por exemplo, a criação de legislação específica para estabelecer o adimplemento das verbas ora analisadas; o marco inicial de pagamento; a base de cálculo; dentre outras situações.

Na Bahia, v.g., em que pese o RE 650898/RS tenha transitado em julgado há alguns meses, no último dia 16/11/17, o Tribunal de Contas dos Municípios(*5), acatando a decisão da Suprema Corte do país, normatizou o pagamento de tais verbas aos Prefeitos e seus vices, vereadores e secretários, orientando que tais liquidações deveriam ser realizadas da seguinte forma:

1) Com relação aos municípios em que já existe Lei prevendo o pagamento das parcelas sob enfoque (terço de férias e décimo terceiro salário), a partir de 24.08.2017, os respectivos agentes políticos (prefeito, vice-prefeito, vereadores e secretários municipais) podem ser contemplados com o recebimento das mesmas;

2) No que concerne às comunas em que não existe norma legal estabele­cendo o adimplemento das verbas ora analisadas, para que sua quitação seja efetivada, deve ser editada Lei disciplinando tal possibilidade;

3) O cálculo das parcelas em questão deve ser realizado observando­-se o valor da remuneração (sentido amplo) efetivamente auferida pelo agente político. Ou seja, serão computadas com base no montante do subsídio, se o agente político receber subsídio. Serão apuradas a partir da remuneração amealhada pelo servidor público, no exercício de mandato eletivo, na hipótese de este ter se utilizado da faculdade prevista no artigo 38, II e III, da CF, e ter feito a opção pelo percebimento da remuneração relativa ao cargo de servidor público. Importante frisar que o artigo 38, II, da CF, é aplicável, por analogia, nos casos que envolvem Vice-prefeito e Secretários Municipais;

4) Por não se tratar de fixação de subsídio, mas apenas de reconhecimento de direitos, não há que se falar em observância ao princípio da anterioridade;

5) Considerando que o posicionamento ora adotado se aplica a partir de 24.08.2017, orienta-se que, este ano, o adimplemento do décimo terceiro salário, quando devido, ocorra de forma proporcional (4/12) e que o terço de férias seja solvido apenas nos casos em que o período concessivo tenha se iniciado a partir de tal data;

6) Do ponto de vista orçamentário, deve-se fazer reforço de dotação, quando necessário, por intermédio de crédito suplementar, tendo em vista a existência de previsão orçamentária para a despesa (remuneração de agentes políticos), mas não com crédito suficiente (diante do acréscimo dos valores relativos a terço de férias e décimo terceiro salário)(*6);

Por fim, é imperioso ressaltar, que os Presidentes das Câmaras Municipais e os Prefeitos, então responsáveis pela organização e normatização municipal das referidas inserções de pagamentos, devem atentar que essas parcelas devem ser acrescidas as demais de despesas ordinárias com pessoal, para fins de cumprimento dos arts. 29, incisos V e VI e 29-A e de seu § 1.º da Constituição Federal, bem como do limite previsto no art. 20, inciso III, alínea a da Lei de Res­ponsabilidade Fiscal.

Acreditamos que não há razão para os cidadão/eleitores atribuírem eventual descontentamento aos Presidentes das Câmaras Municipais, aos Prefeitos, Vices e Secretários haja vista que, como dito, tal posicionamento do Supremo consiste no reconhecimento de um direito de todos os trabalhadores(*7), sendo certo de que qualquer um destes poderia pleitear judicialmente o pagamento de tais valores (ante a posição consolidada pelo Surpremo) e referidos pagamentos poderiam comprometer a dotação orçamentária futura em virtude do volume que possivelmente se acumularia com eventual postergação.

Em completo respeito a posição contrária, que também tem sólidos fundamentos, entendemos que após a confirmação da legalidade do pagamento de 13º salário e 1/3 de férias aos agentes políticos, não há razão para não ser aplicado nos municípios, haja vista que se trata, frise-se, do mero reconhecimento de um direito aplicável a todos os trabalhadores, de modo que eventual afastamento desta norma seria, ao nosso sentir, conduta passível de correção judicial, calhando no acúmulo de dívidas para as futuras gestões.


(*1) Sócio fundador do escritório Gabriel Andrade & Lucas Ribeiro Advogados, Especialista em Direito Público Municipal pela Fundação da Faculdade de Direito da Bahia/Universidade Católica do Salvador, Pós Graduando em Direito Eleitoral pela PUC/Minas Gerais, além de prestar assessoria a Municípios e Câmara de Vereadores no Estado da Bahia.

(*2)  Aieta, Vânia. Criminalização da Política – A falácia da “judicialização da política” como instrumento democrático, p. 26.

(*3) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 76.

(*4) Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

(*5) Disponível em 30/11/2017 no sítio: http://www.tcm.ba.gov.br/wp-content/uploads/2017/11/parecer-normativo-14-2017-feriase13o-_agentes-….

(*6) Nos termos do artigo 167, V, da CF, c/c o artigo 42, da Lei nº 4.320/1964, impende registrar que abertura de crédito suplementar deve ocorrer por decreto executivo, com prévia autorização legislativa e indicação dos recursos correspondentes.

(*7) Aqui vale uma ressalva a respeito da já previsão da Lei 9525/97 em seu artigo 2º que prevê a concessão de férias a Ministros de Estado (na seara municipal seriam os Secretarios), aplicando os artigos 77, 78, e 89 da Lei 8112/90, dando ainda mais respaldo a decisão do Supremo.